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ZENÃO DE ELEIA, A PEDRA NO SAPATO NOS ESTUDOS DE FILOSOFIA PARA O ENEM

Foto do escritor: Thiago Gomes da Silva NunesThiago Gomes da Silva Nunes

ALERTA: Ler este artigo sob o efeito de entorpecentes pode causar tonturas ou enjoos!


Já perdi as contas de quantas vezes alunos e ex-alunos entraram em contato para falar sobre o filósofo pré-socrático Zenão de Eleia, um intelectual que muitas vezes passa despercebido nos estudos de preparação para vestibulares regionais ou provas de âmbito nacional, como o Enem, por não se encontrar na maior parte dos manuais de Filosofia do Ensino Médio. Por exemplo, confira a clássica questão da UEL publicada entre os anos de 2012/2013:


No livro Através do espelho e o que Alice encontrou por lá, a Rainha Vermelha diz uma frase enigmática: “Pois aqui, como vê, você tem de correr o mais que pode para continuar no mesmo lugar.”


CARROL, L. Através do espelho e o que Alice encontrou por lá. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p.186.


Já na Grécia antiga, Zenão de Eleia enunciara uma tese também enigmática, segundo a qual o movimento é ilusório, pois “numa corrida, o corredor mais rápido jamais consegue ultrapassar o mais lento, visto o perseguidor ter de primeiro atingir o ponto de onde partiu o perseguido, de tal forma que o mais lento deve manter sempre a dianteira.”


ARISTÓTELES. Física. Z 9, 239 b 14. In: KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os Pré-socráticos. 4.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p.284.


Com base no problema filosófico da ilusão do movimento em Zenão de Eleia, é correto afirmar que seu argumento:


a) baseia-se na observação da natureza e de suas transformações, resultando, por essa razão, numa explicação naturalista pautada pelos sentidos.

b) confunde a ordem das coisas materiais (sensível) e a ordem do ser (inteligível), pois avalia o sensível por condições que lhe são estranhas.

c) ilustra a problematização da crença numa verdadeira existência do mundo sensível, à qual se chegaria pelos sentidos.

d) mostra que o corredor mais rápido ultrapassará inevitavelmente o corredor mais lento, pois isso nos apontam as evidências dos sentidos.

e) pressupõe a noção de continuidade entre os instantes, contida no pressuposto da aceleração do movimento entre os corredores.


Não conhecer Zenão e se deparar com uma questão dessas na prova é o meio traumatizante. Uma das pistas para a resolução do problema está no sobrenome de Zenão, pois ele nasceu e cresceu na cidade de Eleia, a mesma de Parmênides, indicando a proximidade geográfica e cultural entre esses dois personagens, uma conclusão acertada. Pois bem, Zenão de Eleia foi de fato discípulo de Parmênides de Eleia, um filósofo conhecido por defender a tese de que o movimento de todas as coisas é puramente ilusório, e deste modo, o conteúdo percebido por nossos sentidos nada mais seria que um tipo de ficção sensorial; é isso aew, Matrix e bullet time na veia, Parmênides é mais radical do que parece.

Munido de um senso puramente lógico, Parmênides concluirá o seguinte: toda e qualquer coisa que sofre alterações só pode ser ilusória, posto que a transformação ou a alteração do resultado de um problema é inconcebível dentro de um raciocínio puramente formal: lógico ou matemático. Sendo assim, a conclusão de Parmênides é lógica, e por isso estamos em condições de afirmar que ela também é matemática, pelo menos para termos de prova. Dentro das ciências formais – isto é, matemáticas – não há muita dúvida acerca de uma série quase infinita de problemas, e tanto a lógica quanto a matemática são muito precisas em relação a suas propostas. Elas não mudam com o tempo, no máximo, estão progredindo, enquanto outros saberes vivem sendo reformulados mediante a mudança de paradigmas científicos.

Então vamos lá tentar compreender o paradoxo de Zenão, e muito cuidado para não confundir Zenão de Eleia e Zenão de Cítio, o estoico; vai se acostumando, existem muitos “Zenões” na história. No caso, Zenão de Eleia, o discípulo de Parmênides, não vai muito além de seu mestre, dedicando o seu pensamento à reafirmação e confirmação da proposta parmenídica apresentada mais acima. Mas como ele faria isso? Simples, demonstrando que o movimento observado por nossos sentidos seria igualmente ilusório. Fácil? Putz, sem condições né, quase impossível, a não ser por uma mera conclusão lógico-matemática.

No entanto, Zenão apela para uma antiga fábula de Esopo, ou pelo menos faz uma rápida referência a alguns dos elementos da fábula que fala de uma corrida entre a Lebre contra a Tartaruga – ou Aquiles contra a Tartaruga, a depender da versão... eu sei, é estranho mesmo, e só Deus sabe qual é a versão original. O objetivo de Zenão era demonstrar a impossibilidade do movimento em termos puramente lógicos, deixando de lado a questão da sensibilidade, o que já seria o bastante para responder à questão registrada no início, para a qual o gabarito é a letra C, pois ela ilustra a problematização da crença numa verdadeira existência do mundo sensível, à qual se chegaria pelos sentidos. Mas uma coisa é responder a um enigma, outra é compreendê-lo, por isso, vejamos o porquê desse gabarito.

Olha só, a Lebre (ou Aquiles) ao dar um passo à frente da tartaruga naturalmente se distanciará, porém – PORÉM, TAN TARAN TAN TAN! – ao dar o passo aparente, a Lebre percorreria metade do espaço definido, por exemplo: se um passo equivale a um (1) metro, metade equivale a meio (0,5) metro e, na sequência, ao dar meio passo, a Lebre naturalmente seria obrigada a percorrer mais metade da metade do caminho, isto é: zero ponto vinte e cinco (0,25) centímetros e, ao fazer isso, é naturalmente obrigada a percorrer mais metade da metade da metade do percurso, isto é: 0,125 centímetros... não vou me dar o ao trabalho de transcrever isso; mas na sequência, teríamos mais metade da metade da metade etc., equivalente a 0,0625 centímetros ou milímetros, sei lá, o que importa é que essa sequência se daria sucessivamente para o além e infinito (LIGHTYEAR, Bus. Toy Story, 1995), demonstrando o absurdo do próprio movimento; o intuito é esse mesmo, por isso chamamos de paradoxo de Zenão!

Qual é o significado disso tudo? Simples, corrida não existe, tal como toda a vida aparente; nossa existência, se analisada racionalmente, em termos puramente lógicos, seria uma imensa ficção. Contudo, se estudarmos o paradoxo sob um olhar puramente matemático contemporâneo, veríamos a insustentabilidade do argumento de Zenão, isto porque o filósofo pressupõe a divisão ao infinito do espaço e o tempo, quando sabemos que isso não é possível. Contudo, se levarmos em consideração apenas os princípios da (a) identidade e (b) não contradição, provavelmente a herança mais relevante do pensamento parmenídico para a lógica formal, veremos o paradoxo como uma clara provocação ao nosso senso de realidade, afinal, ou uma coisa é verdadeira (V) ou falsa (F), e se ela se transforma/muda, ela só pode ser falsa (F), posto que obedece aos princípios anteriores.

O projeto desse intelectual era comprovar o caráter ilusório do movimento ao trabalhar com aporias, paradoxos naturalmente insolúveis que revelariam as ilusões do mundo físico e de qualquer transformação aparente. É importante lembrar, Zenão utiliza mais um monte de paradoxos equivalentes, ao exemplo do paradoxo da flecha (imagem acima), sempre com o mesmo princípio. Não é muito original, mas é bastante inteligente e sagaz: correlacionar (1º) os resultados da lógica/matemática – ciências que nos oferecem conclusões parcialmente imutáveis – com as (2º) informações da sensibilidade – que naturalmente confirmam a mudança de todas as coisas do mundo físico – e quando comparados evidenciam a incongruência entre ambos os dados.

Claro, Zenão, enquanto um racionalista e dogmático, tende a apoiar as informações das ciências matemáticas, algo previsível, visto a tradição eleática de qual faz parte. Daí o gabarito da questão ao declarar que o argumento “ilustra” a problematização da crença numa verdadeira existência do mundo sensível (onde as coisas estão se transformando), à qual se chegaria pelos sentidos; o sujeito oculto do argumento é, portanto, a suposição parmenídica de Zenão, isto é: a tese de que a verdade seria imutável, tal como confirmam a lógica e a matemática.


Att,

Thiago Gomes da Silva Nunes

Professor de Filosofia e Sociologia

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