Enquanto filósofo crítico cultural e teórico social alemão, Walter Benjamin ficou conhecido por suas profundas reflexões sobre a modernidade e suas consequências. Sua crítica à modernidade aborda diversos aspectos, como a alienação, a perda de experiência autêntica e a destruição das tradições, ponto lapidar a ser discutido enquanto repercussão ainda em curso nos dias de hoje, principalmente no que diz respeito às grandes e tradicionais cidades e metrópoles do mundo, que a partir de uma premissa estética e utilitária foram/estão completamente entregues aos princípios da classe dominante e do capitalismo. Neste trabalho nos deteremos a análise feita por Benjamin acerca da modernidade, e aquilo que ele disse em consonância com Charles Baudelaire e sua repercussão naquilo que podemos chamar de mundo pós-moderno.
Um dos desdobramentos possíveis dessa discussão é o que entendemos hoje como gentrificação, um fenômeno urbano contemporâneo que se encaixa perfeitamente na crítica de Walter Benjamin à modernidade e suas consequências. Ela se refere ao processo pelo qual áreas urbanas antes degradadas ou historicamente habitadas por comunidades de baixa renda são revitalizadas, muitas vezes resultando na expulsão dessas comunidades devido ao aumento dos custos de moradia e ao desenvolvimento de espaços mais adequados aos interesses da burguesia. Ao analisarmos a gentrificação à luz das ideias de Benjamin, podemos observar como esse processo reflete a perda de autenticidade e a destruição das tradições que ele destacou. As antigas características culturais e sociais dessas áreas, muitas vezes ricas em história e diversidade, são substituídas por uma estética homogeneizada e padronizada, voltada para o consumo e o lucro. Isso cria uma alienação entre os novos moradores, que muitas vezes são mais abastados e têm diferentes valores e experiências de vida, e as comunidades originais que são deslocadas.
Além disso, a gentrificação contribui para a perda de experiência autêntica ao transformar espaços urbanos em cenários mais voltados para o entretenimento e o consumo, em detrimento das vivências cotidianas e das relações comunitárias genuínas. A mercantilização do espaço urbano, onde cada vez mais os interesses econômicos predominam sobre as necessidades das pessoas, reflete a lógica capitalista que subjuga a cultura e a identidade em prol do lucro.
Outro aspecto crucial a ser considerado é a maneira como Benjamin explora as mudanças que levam importantes metrópoles históricas de todo o mundo a se tornarem “metrópoles modernas", e como essa transformação por meio da estética tradicional impacta diretamente a nossa percepção como seres humanos. Um exemplo disso é mencionado por Benjamin em seu livro “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica" (1935), no qual o filósofo alemão discute sobre Paris.
No interior de grandes momentos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente. (BENJAMIN, 2012, p. 183)
Um dos pontos centrais da crítica de Benjamin à modernidade era sua perspectiva em relação à cultura de massa e à indústria cultural. Ele discutiu a produção em larga escala de produtos culturais, como sua opinião sobre filmes, músicas e livros, que tendem a se tornar padronizados e perder sua singularidade, resultando naquilo que ele identificou como a perda da aura original das obras de arte. Segundo Benjamin, essa reprodução técnica das obras de arte aniquila sua aura, ou seja, seu princípio primordial e valor único, subvertendo a obra artística em pura mercadoria banalizada. É consequentemente dizer que a estrutura capitalista, enquanto forma concebida para reprodução e comercialização massificada retirou, tanto do objeto artístico quanto do indivíduo que contempla o objeto ou resultado do processo artístico, aquilo que os gregos chamavam de experiência estética.
Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra. E nessa existência única, e somente nela, que se desdobra à história da obra. Essa história compreende não apenas as transformações que ela sofreu, com a passagem do tempo, em sua estrutura física, como as relações de propriedade em que ela ingressou. (BENJAMIN, 1996, p.)
Benjamin acreditava que a modernidade promovia a alienação e a exploração do indivíduo, forte influência marxista dentro de sua forma de pensar a filosofia. A lógica da produção industrial, baseada na eficiência e na busca pelo lucro coloca os seres humanos como meros instrumentos ou peças de uma engrenagem produtiva, perdendo sua individualidade e autonomia e, consequentemente, seu poder de criação e subjetividade. Nesse sentido, Benjamin destacava a perda de uma conexão autêntica com o passado e a memória na modernidade. Enquanto antes da modernidade o objeto artístico e a arquitetura carregavam em si o próprio sentido da beleza, a partir do advento da modernidade e da concepção cartesiana de método científico, ou seja, um conhecimento universal que subverte a realidade para criar de maneira massificada, as coisas passam a perder o sentido originário. A argumentação benjaminiana fala acerca da aceleração do tempo e a constante busca por novidades e inovações que resultaram em uma falta de continuidade histórica. A cultura de massa e a tecnologia, ao invés de enriquecerem a experiência humana, fragmentaram-na e dificultaram a construção de uma identidade sólida e a compreensão profunda do mundo.
Em resumo, a crítica de Walter Benjamin à modernidade focava na perda da singularidade, na alienação do indivíduo, na transformação da cultura em mercadoria e na ruptura com o passado e a memória. Suas reflexões continuam sendo influentes na teoria social e cultural contemporânea. O que Benjamin faz é pensar a história da humanidade a partir da perspectiva da história da sua reprodução e como isso serviu a propósitos muito específicos em cada período histórico. Hoje, com o advento do capitalismo as consequências passam a ser mais diversas, profundas e contundentes.
Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Essa imitação era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres, para a difusão das obras, e finalmente por terceiros, meramente interessados no lucro. Em contraste, a reprodução técnica da obra de arte representa um processo novo, que se vem desenvolvendo na história intermitentemente, através de saltos separados por longos intervalos, mas com intensidade crescente. (BENJAMIN, 1996, p.)
Benjamin realizou uma análise profunda sobre a modernidade e suas diversas consequências, especialmente no que diz respeito à subversão estética e às questões profundas acerca da utilidade das coisas no mundo moderno. Essa reflexão também pode ser encontrada em sua obra “Sobre alguns motivos na literatura de Baudelaire"(1939), onde ele analisa a poesia de Charles Baudelaire, um crítico importante desse período histórico. Benjamin ressalta a importância do Flâneur, um tipo de flâneur urbano que se destaca na poesia de Baudelaire. O Flâneur é aquele que consegue captar os pequenos detalhes e nuances do mundo moderno, sendo o único capaz de revelar sua essência. A percepção fragmentada e o sentimento de estranhamento são características que definem o Flâneur.
Baudelaire quis igualar o homem da multidão — atrás de cujas pegadas o narrador de Poe percorre a Londres noturna em todas as direções — ao tipo do flâneur. Aqui não podemos seguilo. O homem da multidão não é um flâneur. Nele, o hábito tranquilo foi substituído por outro, maníaco; e dele se pode inferir melhor o que aconteceria ao flâneur, quando lhe fosse tirado seu ambiente natural. (BENJAMIN, 2000, p.49)
Por fim, fica evidente que a crítica feita por Walter Benjamin à modernidade repercute até os nossos dias. A análise contundente acerca das consequências do modo de produção capitalista não se restringe apenas a pontos específicos do âmbito do trabalho e da vida ordinária, mas também à própria forma de viver e consumir arte, cultura e a própria realidade que nos cerca. É dizer como a lógica de mercado repercute em várias instâncias da nossa realidade no seu sentido mais vazio possível, dita as regras através das vontades da burguesia. Pensar o nosso mundo atual através de uma ótica que não visa apenas excluir as classes minorizadas é fundamental e urgente.
BIBLIOGRAFIA
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: L&PM,2006.
BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro LTDA. 2000.
![](https://static.wixstatic.com/media/27a53d_4a9350b1ad15483980dabe57c1f282e9~mv2.jpeg/v1/fill/w_563,h_472,al_c,q_80,enc_avif,quality_auto/27a53d_4a9350b1ad15483980dabe57c1f282e9~mv2.jpeg)
Comments