Dia dos pais
- Jefferson Silva - E-mail: jefferson5684@gmail.com
- 14 de ago. de 2022
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Hoje é dia dos pais, neste sentido comecei a refletir acerca da representação da figura paterna na vida das pessoas. Peguemos como ponto de partida as redes sociais. Obviamente a representação que se faz presente é completamente higienizada. Não sei se você percebeu, mas todos os pais são perfeitos no Instagram, ou seja lá qual a tua rede social preferida. Esses pais limpos e cheirosos, eu dispenso, até porque eles não existem para pouco além da foto impregnada de filtros que limpam toda a merda de vidas marcadas pela falta que foi mais presente que a própria presença. Também existem aqueles que a vergonha de mostrar o real impede o filho de ser hipócrita. Afinal, não tem filtro que limpe a cara de um canalha. Você já deve ter entendido que eu quero falar sobre a ausência da figura paterna, mas de uma forma um pouco diferente. Quero falar da ausência da figura paterna na minha vida e como essa falta afetou a construção da minha identidade.

Meu pai faleceu quando eu tinha 4 anos. Praticamente não guardo lembranças dele, mas uma me marca bastante: lembro perfeitamente do dia que ele nos deixou. Pega uma água que lá vem história… era uma manhã de domingo da ensolarada abril de 1999, meu pai falou para a minha mãe que iria passar o dia no bar da irmã (minha tia tinha um bar próximo a nossa casa). Eu pedi para ir com ele, mas meu pai não queria aceitar de forma alguma, mesmo assim eu fiz o maior escândalo para convencê-lo, fui insuperável, afinal, não tem coisa mais insuportável que uma criança enchendo o seu saco pedindo alguma coisa. Ele disse a minha mãe que ela me desse um banho e colocasse uma roupa bonita em mim, foi o que ela fez. Eu esperei sentadinho a manhã e a tarde inteira, todos que perguntavam porquê eu não estava brincado, eu falava sempre a mesma coisa “tô esperando papai”. No final da tarde a noticia havia chegado, meu pai morreu afogado em um açude da zona rural da cidade. Ele não queria me levar porque não estava indo para o bar, ele e os amigos foram beber e pescar nesse açude que até hoje é uma espécie de “ponto turístico” da cidade. Poucas são as lembranças de antes, mas elas nem seriam tão possíveis, afinal, eu era muito novo. A pior parte é justamente o que acontece depois, aparentemente não para mim, que pensava ter se acostumado a não ter um pai, esse foi o maior engano da minha vida. A pior parte havia ficado com a minha mãe. A solidão das mulheres pretas precisa ser debatida. Tenho certeza que minha mãe amou apenas um homem na vida, ela nunca me confidenciou nada a respeito, mas é o que eu sinto a partir do que vejo. Tempos atrás encontrei uma foto dos dois, na parte de trás da foto tinha uma carta de amor. Eu nunca pensei que minha mãe fosse capaz de escrever algo daquele tipo, mas ela escreveu e isso só aconteceu uma vez na vida. Também acho que nunca mais ela foi amada, às vezes até mesmo eu fui incapaz de demonstrar afeto. Todos falam que meu pai foi um homem bom, pelas fotos eu tendo a acreditar, sempre sorrindo e brincando com alguém. Também é verdade que na maioria dessas fotos ele estava bêbado, mas nunca fez nada de errado, ou agrediu qualquer pessoa que fosse, então a gente passa pano mesmo e lamenta nunca ter tomado umas cachaças com alguém de tão bom humor quando o rabo tava cheio de cana. Não existe nada mais deprimente que um bêbado rabugento.

Falei que o maior engano da minha vida foi ter acreditado que havia me acostumado a não ter um pai, e isso eu descobri da forma mais inesperada possível, pelo menos para mim. Agora pulamos para o ano que 2012, eu estava concluindo o ensino médio e a minha escola tinha (não sei se ainda tem), uma tradição de fazer uma missa e um culto, com o intuito de “abençoar” o futuro dos concluinte. Eu nunca tive fé, muito menos acreditava em qualquer coisa, mas fui para as duas celebrações por gostar muito dos meus colegas de turma e querer viver cada pedacinho daquele momento que estava acabando. Chegando na missa, cada ritual foi pensado minuciosamente para ter a presença dos pais. Minha mãe não pode ir porque estava acompanhando uma amiga no hospital, meu pai também não, mas este teve uma ótima justificativa para não estar presente.. Eu não me importei em participar sem meus pais, sempre que exigiam a presença de algum dos dois, a diretora da escola ou a irmã de um amigo pegava logo na minha mão, e dava certo do mesmo jeito. No final da missa, eu me despedi dos meus colegas e fui em direção a uma das portas da igreja, quando um dos meus amigos colocou a mão no meu ombro, me puxou e ao me abraçar ele falou a frase que marcou minha vida pra sempre; “teu pai ta orgulhoso de você”. Eu não tenho muitas lembranças de ter chorado antes desse dia, mas naquele momento apertaram um botão no meu coração e todas as lágrimas que guardei saíram de forma desesperada. Eu agradeci a ele, fui para um canto que ninguém pudesse me ver e chorei o máximo que pude. Cheguei em casa e chorei mais ainda. Eu chorei porque desde os quatro anos que não tinha um pai. Chorei porque naquele exato momento eu descobri que há treze anos eu não tinha um pai. Chorei porque eu precisei de um pai, não para aquela missa, mas para cada momento desde aquele dia que fiquei esperando-o na sala de casa e a única coisa que recebemos naquela mesma sala foi um caixão com o meu pai dentro. Eu choro agora escrevendo estas palavras.
A minha identidade enquanto figura masculina foi construída justamente na desconstrução da identidade do que deveria ser uma figura masculina e paterna. Não gosto daqueles textos melosos sobre a mãe que se torna pai, principalmente porque na grande maioria das vezes esta mãe foi abandonada pelo companheiro, que posteriormente se tornou aquele cara do início do meu texto, que só é palatável nas redes sociais através de filtros, e só aparece nas fotos porque na necessidade da vida esse tipo de canalha nunca quis estar. E ainda romantizam essas mães, a cereja do bolo é o apelido patético, chamam de “pãe”, caralho…
Eu aprendi a viver sem meu pai. Aprendi a me relacionar sem meu pai. Aprendi a conviver com outras pessoas sem meu pai. Aprendi ser homem sem meu pai. Acho que ele estaria orgulhoso, mesmo eu não tendo virado grande coisa, teria sido melhor se tivesse meu pai, ou não, não sei..
Feliz dia dos pais para todos!

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