Saudade
- Jefferson Silva - E-mail: jefferson5684@gmail.com
- 15 de nov. de 2023
- 3 min de leitura
17:33h de uma sexta, o ônibus havia atrasado. Um beijo, um sorriso, uma saudade enorme que foi consumida pelo desejo. Quatro anos de muita falta que foram preenchidos em um final de semana. Sexo só é vazio quando feito com quem não sente. “Sentir é estar distraído”, Pessoa tinha razão. A distração é alheia a tudo o que não importa, quando o que importa te olha no olho e ouve as palavras do desejo dizendo que a única coisa verdadeiramente valiosa é o instante junto de quem te faz sentir. Como é bom beijar, abraçar, sentir e fazer amor encarando os olhos grandes da saudade.
Estamos no Recife, em casa, apesar de quente. Fizemos amor e dormimos juntos, eu e minha saudade. Sempre acreditei que o maior ato de coragem e demonstração de amor é dormir com alguém. Deitar-se com o corpo completamente vulnerável e inconsciente ao lado de alguém é sinônimo de confiança; confiar é querer bem; querer bem é querer perto, querer junto, ignorar a vigília e a linguagem; é disposição para o encontro com quem não te deixa distraído, mas atento em ficar. No dia seguinte (um sábado quente como todos os outros. Mas não igual aos outros, melhor), fomos ao Marco Zero, encontramos Chico Science na Rua da Moeda, simpático como sempre, mas atento e vigilante, tinha medo de estar vulnerável. Pobre Chico, havia esquecido que a vulnerabilidade dos “homens caranguejos” é o que os torna mais fortes, conduzindo-os para o norte da revolta. Eu não queria me revoltar, apenas permanecer vulnerável de mãos dadas caminhando pelo Recife Antigo com a minha saudade. Caminhamos, bebemos algumas cervejas em um daqueles bares simpáticos do centro. Também havia uma velha insuportável no bar gritando contra satanás, crente tem dessas coisas. Satanás mesmo é a distância que me faz querer estar perto. Lembramos que tínhamos um objetivo naquele dia, ver o eclipse solar em Olinda.
Chegar na cidade alta é compreender o quão alta pode ser a cidade, as ladeiras. Olinda tem cheiro e sabor de tapioca com queijo de manteiga quentinha acompanhada de uma xícara de café feito na hora. Cada ladeira que você sobe, cada beco que você entra é abrir a porta das surpresas e dar de cara com uma igreja muito antiga. A arquitetura colonial nos lembra do sangue e suor de quem levantou paredes a contragosto, imolados em justificativa à uma divindade que nem fazia sentido nas suas línguas. Eu também não acredito em Deus. Acredito, sim, no momento em que subo ladeiras em Olinda, ainda de mãos dadas com a minha saudade, sem nos importarmos mais com o eclipse que foi totalmente encoberto por nuvens de uma chuva que não veio. Pouco importou o eclipse, quando tínhamos o Antigo, a Rua da Moeda, Olinda e suas ladeiras e igrejas.. Aaaah, fomos à praia também, muito estranha por sinal, pouca areia e muito mar. Isso também não importou, tínhamos mais saudade do que caberia em todo litoral pernambucano. No final, não importava, foi em Recife, mas poderia ter sido em qualquer parte do mundo. Saudade continua sendo saudade quando há distância. Voltamos para casa cansados, e novamente dormimos juntos, ainda mais vulneráveis. Acordar cedinho pra fazer amor, novamente olhando nos olhos da saudade e chamá-la de meu bem. “Meu bem” é mais afeto do que vocativo. Muito gostoso estar juntos, aproveitar o tempo juntos, gozar juntos. Conexão é o lego que você perdeu anos atrás e encontrou no tempo certo de continuar brincando.

Ela subiu no ônibus novamente, agora pra voltar para longe de novo. Saudade do meu bem. Logo passa. Vou voltar para onde sou vulnerável sem medo, nem vigília, sem distância. Um beijo, um xero, um sorriso, mas sem saudade. Não dá pra sentir falta quando se está junto do que se quer ter para sempre
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