Resenha: Acerca de Os Irmãos Karamázov de Dostoiévski
- Autor: Jefferson Silva - E-mail: jefferson5684@gmail.com
- 7 de fev. de 2021
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Em 1862 Dostoiévski escreve o prefácio à tradução em russo de Notre Dame de Paris de Victor Hugo (1802–1885), fascinado com todo aquele detalhamento histórico, cultural, etc., da França daquela época, Dostoiévski coloca como objetivo escrever algo que honrasse não só a riqueza de detalhes com que Victor Hugo escrevera seu livro, mas principalmente a Rússia que ele tanto amava.
Homem de vida conturbada desde seus primeiros dias, cristão, mas totalmente descrente da Igreja enquanto instituição. Dostoiévski era acometido de ataques epiléticos de sua infância até a vida adulta, ataques esses interpretados por ele como uma espécie de conexão entre ele e o divino, assim, Dostoiévski transfere essa característica para um dos personagens centrais em Os irmãos Karamázov, Smierdiakov tem em si traços Dostoievskianos, assim como cada personagem não só da obra tratada aqui, mas de todo o seu arcabouço literário. Aliás, a ideia de personagens com traços dostoiévskianos ou pelo menos dar voz há diversos tipos de questionamentos filosóficos e emissários destes era em sim uma característica de Dostoiévski. Aquilo que Bakhtin classifica como romance polifônico se torna uma categoria literária criada pelo romancista russo; (BAKHTIN, 2010. p. 4):
A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski”
Mesmo discordando de certas opiniões, Dostoiévski não abria mão de permitir que elas fossem expressas, o problema nesse momento e também uma crítica feita a essa forma de escrita seria como os pensamentos eram organizados. Dessa forma não existiria nada feito de maneira sistemática, mas apenas um constante conflito de ideias antagônicas, o que não seria o bastante para caracterizar uma filosofia. Neste momento outro problema se faria presente: o que realmente é filosofia? Afinal Nietzsche constrói seu pensamento sem o mínimo de sistematicidade, apenas pensamentos filosóficos misturados em diversas obras sem uma especificidade. Apresentar um Dostoiévski filósofo e fazer uma defesa dele enquanto tal seria de certa forma, um dos grandes desafios deste trabalho, mas de forma secundária, tendo em vista o niilismo como principal foco de estudo.
Ainda desconhecido, Dostoiévski escreve seu primeiro romance Pobre Gente e é aclamado pela crítica russa, principalmente por Vissarión Grigórievitch Bielínski que liderava o alto escalão de intelectuais russos na época. Bielinski imediatamente insere Dostoiévski no seu meio onde ele pode passar certo tempo, mas por divergências pessoas acaba se afastando e entrando, mesmo que por pouco tempo no círculo Bekétov e finalmente ele entra naquele grupo que definiria o seu futuro para sempre, o círculo de Petrachévski, neste último a finalidade seria político/social com viés socialista e de certa forma contra o czar e acaba causando na Russia um barulho que ressoa no próprio czar Nicolau I que ao descobrir a existência do grupo insere entre eles infiltrados que posteriormente os acusariam de motim e condenaria o próprio Dostoiévski a morte em praça pública junto a seus companheiros, onde posteriormente aconteceria a farsa que seria fundamental para o futuro de Dostoiévski enquanto escritor; (Wu, 2008. p. 333,334):
Na praça Semenóvski, o grupo foi levado a crer que seria executado quando, no último momento, lhes foi comunicado o perdão concedido pelo czar. Seguiu-se à farsa da execução um período de reclusão no presídio de Omsk na Sibéria, de onde sairia apenas em 1854, servindo ainda por um determinado período como soldado no exílio. Dostoiévski só retornaria a São Petersburgo e retomaria a sua carreira literária em 1859. É a partir desse período que começa a época da criação de seus grandes clássicos: Memórias do subsolo (1864), Crime e castigo (1866), O idiota (1868), Os demônios (1870) e Os irmãos Karamazóvi (1879).
Os tempos de exilio na Sibéria foram fundamentais não só para Dostoiévski enquanto pessoa, mas tão essencial quanto para o escritor que através dessa experiência pode criar os seus maiores romances, chamados pela crítica de pós-siberianos, não por acaso, mas por a Sibéria ter essa função de destaque na vida do autor.
Neste ponto de sua vida tudo isso culminaria para a escolha da obra que se deu a partir do momento como a própria obra se encaixa perfeitamente, junto ao tema, enquanto telos de um homem niilista em vida e escritos. Optar por Os Irmãos Karamázov é por em prática a refutação da ideia de imparcialidade. Gadamer para levar à lona tal conceito tão exaltado até os nossos dias vai nos propor a ideia de atraso ou de se chegar atrasado, do alemão spät presente em Verdade e Método sua principal obra, e neste momento coloco o próprio Dostoiévski em questão. Chegar atrasado não diz respeito ao tempo, pelo contrário, para se tornar o Dostoiévski escritor niilista, ele teve que ler determinados livros e não outros nascer em determinada família e não em outra, nascer na Russia do século XVIII e não em outro país, por fim, o atraso é o resultado por ter percorrido toda essa linearidade subjetiva de conhecimento histórico que culminou naquele homem, objetificação de alguém que não poderia ser outro. Consequentemente os Irmãos Karamázov, última obra do autor que sintetiza o niilismo enquanto filosofia, existência e modo pelo qual ele enxergava o mundo.
Colocar em xeque a fé constantemente testada de Aliócha em contraste ao ateísmo brutal de Ivan é demonstrar que só se chega a Deus através daquilo que os especialistas no autor russo chamam de teodiceia da dor. Um niilismo intenso que recompensaria o indivíduo ali sujeitado à eternidade. É compreensível questionar-se ao longo da narrativa se crer representaria um ato de loucura, pelo contrário, veja como termina Ivan e como termina Aliócha. Um perturbado pelas questões existências e de fé acerca de Deus, e outro feliz entre as criancinhas. Neste sentido, o ato de negação desta vida assim como é representa a própria racionalidade recompensadora, enquanto o outro lado da moeda é simplesmente consequência de uma vida fora da afirmação do transcendente, a morte dentro da eternidade.
Por fim, Os Irmãos Karamázov não é apenas uma obra como as outras a tratar do niilismo, mas a obra perfeita para se entender o ápice desse acontecimento histórico com dimensões extremamente filosóficas dentro do arcabouço de um escritor que acima de qualquer outro estava impregnado do conceito e por consequência transferiu tudo para a sua maior obra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 5. ed. Revista. Trad. Paulo Bezerra. Rio
de Janeiro, Forense Universitária, 2010. [1963]
WU, Roberto. Política e Niilismo na obra de Dostoiévski. Raízes Jurídicas, Curitiba, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008, p. 331-351
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