O sofrimento enquanto forma de redenção em Os Irmãos Karamázov de Dostoiévski
- Jefferson Silva - E-mail: jefferson5684@gmail.com
- 19 de abr. de 2022
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O Sofrimento para Dostoiévski não é apenas uma forma de punição, mas essencialmente uma consequência por sermos pecadores, injustos e maus por definição. Dessa forma, ele se apresente como uma espécie de purificação que a humanidade tem ao seu dispor, regenerando-nos e nos colocando mais perto de Deus. O sofrimento é condição humana na existência, é fator preponderante que caracteriza o homem enquanto tal. A questão é: até que ponto o homem deve sofrer? O homem realmente DEVE sofrer? Tal pensamento não daria vazão para concepções neopentecostais e possivelmente a teologia da prosperidade? Essas interpretações são bastante possíveis e acontecem, mesmo sendo completamente equivocadas. Dostoiévski não diz que temos que sofrer, ele apenas foi o escritor que deu mais atenção para aqueles que sofreram, dedicando a eles um certo estudo. A estes ele chamou de “Humilhados e Ofendidos”, também título de uma de suas obras. Apenas hermeneuticamente este tipo de interpretação equivocada e tendenciosa com claras intenções podem ser desconstruídas.
Em consequência à revolta proposta por Ivan acerca daqueles que sofrem desnecessariamente por pecados injustos, temos “O Grande Inquisidor”, capitulo pós A Revolta, em que o próprio Ivan apresenta a Aliócha um poema que escrevera, ou pelo menos idealizou tempos atrás, em que ele narra a ressurreição de Cristo em tempos de inquisição espanhola. No poema, Cristo aparece de forma silenciosa, não emitindo uma palavra sequer, mesmo assim todos o reconhecem, de alguma forma sabem quem ele é. Assim, o inquisidor caminhava em meio à multidão e avista toda aquela aglomeração e também o reconhece, de imediato manda detê-lo e o leva a uma masmorra para interrogatório.
És tu?” Tu?. Mas, sem receber resposta, acrescenta rapidamente: “Não respondas, cala-te. Ademais, que poderias dizer? Sei perfeitamente o que irás dizer. Aliás, não tens nem direito deacrescentar nada ao que já tinhas dito. Por que vieste nos atrapalhar? Pois vieste nos atrapalhar e tu mesmo o sabes. Mas sabes o que vai acontecer amanhã? Não sei quem és e nem quero saber: és Ele ou apenas a semelhança d’Ele, mas amanhã mesmo eu te julgo e te queimo na fogueira como o mais perverso dos hereges, e aquele mesmo povo que hoje te beijou os pés, amanhã, ao meu primeiro sinal, se precipitará a trazer carvão para tua fogueira, sabias? É, é possível que o saibas” – acrescentou compenetrado em pensamentos, sem desviar um instante o olhar do seu prisioneiro. (DOSTOIÉVSKI, 2008, Os Irmãos Karamázov)
Aqui, Ivan faz uma nítida denúncia acerca daquilo que podemos chamar de fracasso da redenção, ora, se Deus não é eficiente na criação, não poderia ser no que diz respeito à redenção, já que todo o sofrimento ao invés de dar ao homem uma recompensa divina, só serviria para intensificar uma dor inútil que o colocaria sobre os ombros da liberdade.
Não eras tu que dizias com frequência naquele tempo: ‘Quero fazê- los livres’? Pois bem, acabaste de ver esses homens ‘livres’ - ,acrescenta de súbito o velho com um risinho ponderado. – Sim, essa questão nos custou caro – continua ele, fitando - O severamente -, mas finalmente concluímos esse caso em teu nome. Durante quinze séculos nós nos torturamos com essa liberdade, mas agora isso está terminado, e solidamente terminado. Não acreditas que está solidamente terminado? Olhas com docilidade para mim e não me concedes sequer a indignação? Contudo, fica sabendo que hoje, e precisamente hoje, essas pessoas estão mais convictas do que nunca de que são plenamente livres, e, entretanto elas mesmas nos trouxeram sua liberdade e a colocaram obedientemente a nossos pés. Mas isto fomos nós que fizemos; era isso, era esse tipo de liberdade que querias?”. (DOSTOIÉVSKI, 2008, Os Irmãos Karamázov)
Assim, sendo uma consequência daquilo que podemos chamar de uma teodiceia do sofrimento inútil, a não existência de Deus, somada a representatividade de Cristo, enquanto a liberdade personificada, o resultado seria um niilismo integral, que segundo Luigi Pareyson, pela primeira via nega o teísmo, e, pela segunda, o cristianismo, sendo esta uma negação do próprio sentido teológico da criação.
Nesta parte da narrativa, Aliócha basicamente objetifica o próprio conceito de caridade, ele é aquele que abdica da felicidade, pois assim como Cristo dá a sua face para que batam mesmo tendo certeza que o irmão está errado, pois o ouve e não reage com palavras, mas apenas o beija, assim como Cristo faz com o seu algoz. Assim também o é no fim do livro, quando o personagem conclui a sua passagem pela narrativa em meio às crianças, metáfora lapidar. Sendo Aliócha o caçula, ele se encaixaria perfeitamente às crianças, uma espécie de anjo, como é tratado boa parte da obra pelos outros personagens. Como diz Pondé em Crítica e profecia A filosofia da Religião em Dostoiévski, ele é um “(...) termômetro do amor: murcha quando ele falta e cresce quando ele existe. Acriança tem cheiro de Deus.”

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