O que os riscos nas carteiras das salas de aula querem nos dizer?
- anagabrielesc
- 4 de out. de 2022
- 4 min de leitura

Muito se fala sobre o que há dentro e fora dos muros das escolas, sobre todas as relações que os alunos e professores têm de acordo com suas experiências de vida e de como isso deve ser, ou não, incluído no ensino. Porém, deve-se ter um olhar mais atento ao que foge da nossa perspectiva e previsão do que encontramos nos ambientes educacionais, pois podemos estar perdendo uma parte fundamental que os alunos trazem de suas realidades, uma parte que cabe a eles expressar de uma forma que ninguém irá se importar, pelo menos não da forma que deveria para entendê-los.
É rotineiro ouvir no mundo moderno que muitas escolas terão sempre métodos tradicionais porque os professores e demais funcionários da escola já tentaram de várias formas trazer um ensino voltado para a vivência dos alunos, de forma que eles estejam ali não mais forçados, mas sim, por prazer. Esse sentimento de “já tentei e não adianta” talvez esteja sendo colocado dessa forma porque as tentativas não foram da forma que mais os aproxima dos alunos. Muito se fala sobre o que pode e o que não pode na escola, e o resultado disso, no segundo caso, é a punição. Levando isso em consideração, temos um dos melhores exemplos, que são as carteiras riscadas pelos alunos, riscadas com desenhos, pichações, frases. Tem de tudo. Mas quando se fala em carteiras riscadas, a primeira coisa que todos pensam é que isso é errado e que quem faz pode ser punido pela escola, pois está acabando com o patrimônio público; o resultado disso são algumas carteiras limpas e outras não. Mas o que vem ao caso não é se esse ato de riscar é certo ou errado, mas sim a perspectiva sensível de quem consegue entender além dos riscos, que é o aluno que riscou. Vygotsky diz que o desenvolvimento da criança se dá a partir de suas relações sociais, que o que sai da mente é baseado nas experiências de vida que ela vem tendo, então o desenho, seja ele qual for, tem relação com o desenvolvimento e com a realidade daquela pessoa. Trazendo um pouco mais para frente, pode-se fazer uma ponte disso com os jovens na escola hoje em dia. As carteiras riscadas por eles podemos entender como alguma coisa que eles querem dizer. Boa ou não, legal ou ilegal, simples ou complexa, mas querem. As ideologias dos jovens são criadas desde cedo dentro do seu círculo familiar, de amigos na rua, de religião, de escola, de tudo, e todas essas coisas devem ser observadas através do que eles querem dizer quando expressam dessa forma, fazendo algo que pode levar a serem punidos. Bom, analisando tudo isso, será que ainda fica difícil de conhecer os alunos? Conhecermos seus gostos?
A impressão que se tem, infelizmente, é que há um cansaço e um mundo desacreditado por parte das pessoas que problematizam a educação, pois não conseguem sair do limbo teórico e tentar na prática novas formas de ensino, pois isso exige uma perspectiva sensível por parte dos educadores para com os alunos. Porque se pensar bem, não é difícil de conhecer sua escola, existem milhares de métodos para um ensino de qualidade, mas poucos deles compreendem os alunos dessa forma, que é a forma mais nítida que eles deixam passar. Nas carteiras de uma sala de aula, se fizer uma boa análise, serão encontrados símbolos de times de futebol, frases de artistas da música, e se tem essas frases, muitas das vezes elas entregam elementos que podem passar despercebidos, mas são bem claros, como artistas negros, movimentos negros, como também símbolos voltados para outros movimentos como LGBTQI+, assim também como nos entregam lados de partidos políticos, entre um milhão de coisas expressadas por cada aluno. Esse sim é um método que podemos colocar em debate quando se fala em educação libertadora, entender os riscos nas carteiras apenas como um ato de rebeldia não é compreendê-los de verdade. Dá para fazer uma boa análise sobre a realidade dos alunos através disso, entender por que foi riscado uma palavra de denúncia dita por um artista na carteira, assim também como dá para entender do que o aluno mais se aproxima quando existem repetidos símbolos de algum determinado partido político. Assim, o fato é que, estamos tão acostumado com essa rotina de só se atentar ao certo e ao errado, ao que é regra e ao que não é, se vai ter punição ou não, que esquecemos de compreender os motivos daquele ato, motivos que podem ser muito bem trabalhados na sala de aula como forma de conhecer as aptidões, as origens, os gostos e insatisfações dos alunos, tudo isso através da forma de expressão mais conhecida como rebeldia e malcriação dentro das salas de aula, que são os riscos nas carteiras deixados por eles todos os dias.
Além disso, esse método pode ser tão preciso tendo como base o fato de que, por todos os lugares da cidade existem algumas expressões feitas por jovens satisfeitos ou insatisfeitos com algumas coisas na sociedade. Trazendo uma comparação com o pensamento do Henri Lefebvre, que aborda que a cidade deve ser pensada além do valor de troca que o capitalismo nos fez sermos presos, mas como o valor de uso de todos os sujeitos que vivem nela, dessa forma, toda forma de expressão cultural, política e social devem ser aceitas para que assim seja entendido o que os sujeitos daquele lugar querem nos dizer, as vozes silenciadas são expressadas dessa forma, como atos de rebeldia pela sociedade, pois são os muros da cidade que serão usados para isso, o que chamamos de patrimônio público. O mesmo podemos aplicar as salas de aula; riscar as carteiras, para além de um ato de indisciplina por parte das regras do ambiente escolar, deve ser compreendido como expressões e vozes que devem ser ouvidas pelos alunos, a problemática vai além do que parece estar destacado na nossa frente. Com isso, fica o método para debate, os alunos se expressam mais riscando as carteiras das salas de aula do que dialogando com seus professores.
Email: anagabrielesc@gmail.com
pix: 83 988512616
Comentarios