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"O Quarto", por Guilherme de Brito. Um ode a Dante e às almas melancólicas.

  • Foto do escritor: Wallace Guilherme
    Wallace Guilherme
  • 31 de out. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 7 de nov. de 2023




VAN GOGH, Vincent. Sorrowing Old Man. 1890, óleo sobre tela, 80 x 64 cm.


O Quarto, por Guilherme de Brito, é um dos poemas de sextilha que compõem a coletânea de poesia "Versos Macabros", ainda não publicado. O autor inspira-se na infernalidade de Dante para compor um poema sobre uma estranha sombra que, em certa noite, habitou seu quarto. Para além de um ode ao autor de "A Divina Comédia" (publicado originalmente em 1472), o poema "O Quarto" pretende resgatar a fantasia dos elementos escatológicos da tradição e, ao mesmo tempo, contatar a solidão e boemia das almas melancólicas pós-modernas. Escolhemos, para ilustrar este poema, a obra "Sorrowing Old Man", do Van Gogh, que retrata bem o clima de solitude, desespero e, sobretudo, amargura do eu lírico.



O Quarto


Escrevo isto com mais calma

pois a distância acalmou minha alma...

Distância daquele maldito quarto

do qual minha mente guarda retrato.

Foi na noite que precede esta

em que escrevo, com suor na testa,


Este meu triste e masoquista relato.

Com insônia, após escapar a razão

e dar motivos para ouvir a emoção,

concluí que algo demoníaco habita meu quarto;

algo sombrio e demoníaco habita meu quarto.

Enquanto durmo, algo espreita os meus retratos.


Lembro de despertar-me na calada da noite

suando, tal qual presa, que foge do açoite,

com o peito palpitando em taquicardia.

E ao abrir os olhos, distingui, para minha agonia,

uma sombra disforme habitando meu quarto;

havia uma sombra habitando o meu quarto.


Pairou pôr sobre a estante de livros,

com um esplendor de dar-me calafrios

parando em frente à sessão de Platão.

E eu, com um súbito aperto no coração,

distingui na sombra uma face, de fato.

Ela tinha um rosto, a sombra que habitava meu quarto.


A encarar-me, com olhos frios e vermelhos,

como lábios de uma dama, querendo beijos,

Notei certo ódio no olhar que me encarava.

Com efeito, era ódio o semblante que me alcançava,

tão latente que quase o senti com meu tato.

E de ódio era a sombra que habitava meu quarto.


Quando meu semblante por fim encontrou

aquele vazio de cor vermelha me encarou,

e notei algo esticado em minha direção.

De fato, a sombra demoníaca tinha uma mão

e delicadamente me buscava aquele tato.

Desejava me tocar, a sombra que habitava meu quarto.


Agarrei, tolo de instintos, o travesseiro,

buscando defender-me da escuridão

que avançava como um pesadelo

sem titubear, em minha direção.

Fechei os olhos; desejei que fosse um parto

da minha mente, a sombra que habitava meu quarto.


De súbito, senti na alma

um toque que procurava, com calma,

me arrastar para a escuridão e profundezas

com uma diabólica e astuta vagareza;

como a Morte que convida, em prantos,

um dançarino moribundo a um último tango.


E já sentia minha alma do corpo desvair..

enquanto minha carne clamava, sem rugir,

ora nas trevas da não existência,

ora nas presas que armam o tato

da sombra que habitava meu quarto.


Senti, por segundos à fio,

um calor de uma chama infernal.

Assim como uma súplica, tal qual dor descomunal,

que aflige, à ferro e à fogo, na carne dos mortais

dores e torturas nunca antes tais.


Vi, de um lapso em um microssegundo,

Um juiz altivo que, sentado num trono,

portava lança ou tridente, e com um estrondo,

torturava pobres almas do outro mundo.

E estas almas, à sofrer o julgo do carrasco,


Choravam e clamavam, pelo pasto

flamejante, por piedade e clemência.

Vi também, longe, uma pequena luminescência

que insistia, nas trevas agudas do inimigo,

a manter-se acesa iluminando os caídos.


Uma delas, com efeito, eu ouvi,

chamava por meu nome, ansiosa.

Logo notei algo de vermelho em sua mão,

esticada, diretamente em minha direção:

pois a alma maldita oferecia-me uma rosa.


Tão logo o braço estiquei em sua direção

perplexo, e inundado de aflição

para descobrir daquela alma o paradeiro,

quando, de repente, notei que o vermelho

da sua rosa eram artérias de um coração.


Um nome me veio ao pensamento,

do qual não lembro, no momento,

em que escrevo este triste relato.

Mas, na visão, eu clamei com meus lábios

mas tão intenso era o coro dos condenados,


Que meu grito permaneceu calado.

Por mais uma vez tentei clamar

E sem sucesso, pois a rosa já partia

junto com a maldita mão, junto com a agonia

dos condenados das chamas infernais.


Logo, estava novamente em meu quarto.

Sentindo ainda na pele e alma o tato

daquela sombra maldita que habitara meu quarto.

Uma prece recitei, e suspirei bem alto,

na esperança de exorcizá-la com meu alento...


Conquanto, ao abrir os olhos, percebi

que sombra alguma havia ali.

E portanto, nenhum motivo para o coração

perturbar, senão a vigília de Platão

que me encarava, em logos, sem paixão.



Mesmo depois da sombra ter ido

embora, na noite que habitou meu quarto,

juro, ainda sinto o seu tato

quando deito sem antes ter lido

verso ou prosa, pedindo

proteção ao Deus dos imortais.


E o coração dói por carregar a certeza

de que não hoje, mas em dado momento,

devido à sua escolha e ao meu alento,

tal sombra tornará a me visitar...


Há de encontrar-me morto?

Há de encontrar-me são?

Disto, não sei. Quanto ao resto, eu me calo.

E espero, sozinho, esta sombra maldita

que outrora habitou o meu quarto.


Brito, W.G.S. In.: Sonetos Macabros. (2019-2020) ©️








 
 
 

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