LANA DEL REY E A DISPOSIÇÃO ÀS BELAS CANÇÕES DE AMOR
- Jefferson Silva - E-mail: jefferson5684@gmail.com
- 1 de abr. de 2021
- 5 min de leitura
Enquanto escrevo este texto ouço Norman Fucking Rockwell, que se tornou uma espécie de conclusão de um ciclo que se iniciou lá atrás com Born To Die, álbum de 2012 que marca o que para mim se tornou uma espécie de movimento que inverte as peças do tabuleiro da maneira como se faria musica pop dali pra frente. Lana recorre às referencias do passado, o alicerce norteador de qualidade vocal e interpretativa, para falar sobre amor. Em um mundo que falar de amor se tornou algo “brega”, Del Rey mostra que amar é uma disposição que só os corajosos conseguem. Como ela mesma fala em Blue Jeans “i will love you until the end of times”, eu vou te amar até o fim dos tempos, simples assim.
É em Honeymoon que esse amor se torna uma variante que oscila entre a plenitude do sentimento e o puro desejo que se encontra dentro da viceralidade das relações humanas. Ela canta na canção que dá título ao álbum “we both know that its not fashionable to love me”, e joga com seu poder de sedução complementando “but you dont go cause trully, theres nobody for you but me”, e mais adiante “say me want me too”. Amar é consequentemente desejar. Só se ama em totalidade, de carne, alma e intelecto. Minha faixa preferida do álbum é God Knows I Tried, é onde o lado niilista de Lana se revela em uma relação intensa com Deus. Ela canta “i feel free when i see no one, and nobdy knows my name”, ou seja, é no ato solipsista de retorno a si em meio à totalidade do nada, da profunda solidão e fuga da imensidão fatorial que consome corpo e alma, que ela pode ser ela mesma novamente. No refrão ela se entrega de forma suplicante e até mesmo desesperada “God knows i live. God knows i died. God knows i begged. Begged, borrowed and cried. God knows i loved. God knows i lied. God knows i lost. God gave me life. And god knows i tried”, é como se ela simplesmente desistisse de tudo, mas mandasse uma mensagem para Deus que apenas ele e seus fãs entenderiam, o retorno a si também é o retorno a Deus, que também é o norte para o belo e o amor. Talvez Nick Cave tenha entendido ainda melhor o que em 2015 Lana Del Rey tentou nos comunicar: “todas as canções de amor se dirigem a Deus, pois é na premissa assombrada de anseio que a verdadeira música de amor habita. É um uivo no vazio, pelo amor e pelo conforto e vive nos lábios da criança chorando por sua mãe. É a canção do amante que precisa de seu amado, o delírio do suplicante lunático que pede seu deus. É o grito de um acorrentado a terra, ao vulgar e ao mundano; um voo para a inspiração, à imaginação e a divindade. A canção de amor é o som de nossos esforços para se tornar semelhante a Deus, para nos levantarmos sobre a terra e o medíocre.”, me parece que Lana entendeu Cave muito bem, e Cave à Lana.
Retornemos a Norman Funcking Rockwell, que em 2019 esfrega em nossas caras que Lana Del Rey ainda está disposta a amar, pois agora mais do que nunca ela canta para todos que partilham com ela a coragem do mais puro sentimento “fuck it i love you”. O álbum é impregnado de referencias ao pintor e ilustrador norte americano, Norman Rockwell. Na faixa título ela canta “you fucked me so good that i amost said: i love you”. Corpos limpos não fazem amor, é na cama onde toda a sujeira da trajetória de cada pessoa é escancarada, se a tua sujeira bate com a minha, fodeu. No fim ela conclui “yeah, you’re just a man, all through and through. Your head and hands, as you color me blue, blue,blue. You make me blue”, aqui ela joga com as palavras, quem à pinta de azul é Norman, o azul simboliza a tristeza renovada constantemente em tonalidades intensas.
É em Venice Bitch que ela em exatos nove minutos e trinta e sete segundos mostra que amor também pode ser confundido com poder, vicio e traição. Ela inicia a canção dizendo “fear fun, fear love. Fresh out of fucks, forever”, para no refrão nos dizer com todo o seu desejo “Oh god, i miss you on my lips. It’s me, your little Venice bitch”. Mas em Cinnamon Girl ela retoma a caminhada simbólica dizendo “hold me, love me, touch me, honey. Be the first who ever did”. Desejo e amor se confundem em uma caminhada de dependência inerente uma a outra. Este é o ponto: uma mulher também tem o direito de desejar, de se entregar a podridão das concupiscências da carne e mesmo assim amar, mesmo assim ser quem ela quiser, mesmo assim ser, vejam só, uma mulher. É dizer que justamente por eu querer ser a sua Venice Bitch que eu te amo.
No dia 19 de março deste ano (2021), Lana nos presenteou com sua mais nova obra Chantrails over the country club que é apresentada com a proposta de ser um álbum de reinvenção. Na primeira faixa e, em minha opinião, a melhor do disco, White Dress ela canta em meio a sussurros sobre a liberdade de uma garota de 19 anos, garçonete e que intensamente ama o seu homem, ela entoa sussurrante “when i was a waitress, working the night shift, you were my man. Felt like i got this”.
Del rey descreve o sentimento incrivelmente sombrio, mas estranhamente reconfortante, ao mesmo tempo - a noção de que os dramas pessoais, os altos e baixos da vida "normal", continuarão mesmo enquanto o resto do mundo vai para a merda. “Os melhores perderam a cabeça / Portanto, não vou mudar / vou continuar a ser a mesma”, promete ela em Dark but Just a Game. Falando com um amante fiel em Yosemite, ela comenta: "As estações podem mudar / Mas nós não mudamos." Afinal, quando a bola de fogo passar pelo Havaí em direção à Costa Oeste, como Lana previu em The Greatest de NFR, quem estará lá para cantar baladas sobre os restos silenciosos e cinzentos de Los Angeles? Lana Del Rey, é claro.
Em Dance till we die ela diz “E não vamos dizer quando, não vamos perguntar ‘por que?’. E não vamos parar de dançar até morrer”, e ela suspira “Deus, é bom não estar sozinha”. Ela traça uma linha entre ela mesma e a trágica subserviência de Tammy Wynette em "Breaking Up Slowly", auxiliada pela garota legal fora-da-lei Nikki Lane, e mais uma vez presta seus respeitos a Mãe Joni com uma fiel interpretação de "For Free", encerrando o álbum com harmonias imaculadas de Zella Day e Weyes Blood. Apesar de toda a atitude defensiva mal formulada de Del Rey em torno de quantas mulheres negras foram retratadas em meio a suas amigas debutantes na capa do álbum, isso apenas enfatizou sua crença sincera de que tal cena poderia ser alcançável e descomplicada.
É interessante como você se sente constrangido quando tenta fazer uma crítica há algo bom, Chemtrails Over the Country Club é bom, mas insuficiente. A todo instante você aguarda por algum tipo de momento apoteótico que nunca chega. Não é falar acerca das notas elevadas que não existem, mas da necessidade de um ponto de colisão, onde a experiência estética se faz presente enquanto clímax de uma obra que honra aquelas que a antecedem. Com uma capacidade que abrange toda a carreira de congelar ícones históricos da cultura com uma única letra ou vídeo, ela agora está vendo se o truque de mágica pode funcionar em si mesma. Dizem que as boas pessoas do passado rodeiam as boas pessoas do presente, bem, se isso é verdade eu não tenho as ferramentas para averiguar, mas quando ouço Lana Del Rey acabo sendo levado a tempos que não vivi, mas gostaria muito. Isso é bom, muito bom.
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