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Em suas meditações de 1641 o filósofo francês René Descartes procura aprofundar suas reflexões já iniciadas em obras anteriores como o Discurso do método (1637). As meditações são compostas por seis partes ou seis meditações em que Descartes busca determinar o que podemos conhecer de fato e com segurança. Nesse texto, vamos nos deter a sexta meditação que tem como objetivo a comprovação da existência das coisas materiais e corpóreas (res extensa), em outras palavras, nesse itinerário o filósofo busca reavaliar os motivos para se duvidar das ideias advindas das sensações.
Na primeira parte da sexta meditação1 o filósofo indaga sobre a possibilidade da existência das coisas materiais e conclui que elas vivem de fato, pois, “pode haver, na medida em que são consideradas como objeto das demonstrações de Geometria, visto que, dessa maneira, eu as concebo mui clara e distintamente” (DESCARTES, p. 137). No entanto, em sua análise das probabilidades da existência das coisas materiais, Descartes verifica a faculdade da imaginação que, segundo ele, se distingue da intelecção, mas reconhece o corpo através da experiência que dele possui. Segundo o filósofo “quando considero atentamente o que é a imaginação, verifico que ela nada mais é que uma aplicação da faculdade que conhece ao corpo que lhe é intimamente presente e, portanto, que existe”. (DESCARTES, p. 138). Nesse ponto, coloca-se em questão a confiabilidade dos sentidos e dos corpos e a faculdade da imaginação surge aqui como um filtro capaz de apontar para a realidade corpórea, tendo em vista, seu contato íntimo com o corpo no formato de sua atividade ou movimento.
Percebendo que o espírito nada depende da imaginação para o seu progresso e que, por sua vez, a imaginação também não depende do espírito, o filósofo versa sobre a possibilidade da existência de outra instância que alimente a faculdade de imaginar. Possivelmente essa instância imagética do homem reside suas bases em solos empíricos, pois ela se alimenta da experiência, por exemplo, na criação de figuras fictícias como as sereias encontramos a junção de seres que estão bem presentes em nossa realidade como
a calda de um peixe e o corpo de uma mulher. O problema a ser examinado na sexta meditação é assim descrito nas palavras de Descartes (p. 139), pois “esta maneira de pensar difere somente da pura intelecção no fato de que o espírito, concebendo, volta-se de alguma forma para si mesmo e considera algumas ideias que ele tem em si; mas, imaginando, ele se volta para o corpo e considera nele algo de conforme a ideia que formou de si mesmo ou que recebeu pelos sentidos”.
1 É importante ressaltar que nessa altura das Meditações a ideia de um Deus, não mais embusteiro, mas ordenador do universo já faz parte da construção do projeto ontológico e epistemológico cartesiano. Assim a faculdade de imaginar exibe-se não como a parte pura do pensamento, mas como algo que se orienta através do contato com a coisa corpórea (res extensa).
A reflexão para comprovação da realidade corpórea percorre algumas passagens da meditação sexta, como fio condutor ela apresenta os dados das experiências que o próprio filósofo vivenciou. Com isso, questiona-se qual é o grau de veracidade das coisas advindas por meio da experiência? Descartes faz uso em suas elucubrações de algo que ele chama de ideias adventícias que são oriundas da experiência sensorial, em outras palavras, ideias que são independentes da força do espírito. Essas ideias parecem ser mais nítidas do que aquelas que são meditadas e simuladas por intermédio do intelecto.
O homem é o único ser que converge nele mesmo um ponto de encontro entre o espírito e o corpo. Ele é uma espécie de congregação de dois mundos distintos. A heterogeneidade que marca a existência da res cogitans atenta para uma realidade inextensa, enquanto o corpo diz respeito a uma realidade extensa. Por isso, o espírito não deve ser concebido em relação com a vida. O espírito é pensamento e a separação do corpo não lhe provoca a morte, pois a morte corporal é apenas fisiológica.
A res extensa começa a tornar-se uma realidade no projeto cartesiano após as reflexões do filósofo sobre as faculdades de sentir e imaginar. Percebendo que há ideias que adentram o pensamento sem antes passar pelo crivo da razão, Descartes que estava preso em uma ilha, na possibilidade da ideia da existência apenas do eu pensante, descobre que o externo também pode influenciar em seu pensamento. E para tanto ver necessário a distinção dessas duas instâncias em seus atributos especiais: “Ainda mais, encontro em mim faculdades de pensar totalmente particulares e distintas de mim, as faculdades de imaginar e de sentir, sem as quais posso de fato conceber-me clara e distintamente por inteiro, mas que não podem ser concebidas sem mim, isto é, sem uma substância inteligente à qual estejam ligadas. Pois, na noção que temos dessas faculdades, ou (para servir-me dos termos da Escola) no seu conceito formal, elas encerram alguma espécie de intelecção: donde concebo que são distintas de mim, como as figuras, os movimentos e os outros modos ou acidentes dos corpos o são dos próprios corpos que os sustentam”. (DESCARTES, p. 142).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS
DESCARTES, René. Discurso do método; Meditações; Objeções e respostas; As paixões da
alma; Cartas; Tradução: J. Guinsburg e Bento Praga Junior. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
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