Crítica: "The Fabelmans" o Cinema e a dialética do Real/Fantástico
- joaop27
- 19 de jan. de 2023
- 3 min de leitura
Por João Pedro Morais, UFCG


É a primeira vez que escrevo uma crítica cinematográfica por aqui. Para mim, "The Fabelmans" foi um dos filmes mais lindos que já vi. O novo longa de Steven Spielberg é uma autobiografia que explora de maneira delicada, sutil e metalinguística a relação do cinema com a vida e com o próprio Homem. Trata-se de observar como, a partir da vida do diretor, os filmes são um espectro fantástico da realidade, onde os nossos mais profundos sonhos podem se concretizar (o que, falando da produção do próprio Steven, é bastante revelador). Dialeticamente, porém, a arte mais fantástica não deixa de se relacionar com o real. Assim, o cinema pode representar o imaginário, sem, por sua vez, deixar sozinha a realidade.
Na primeira cena, enquanto ainda é criança, o cinema se revela a "Sammy" - apelido do personagem principal - de maneira chocante ao representar um fantástico mundo dotado de imaginação em que tudo pode acontecer. Os seus filmes e sua relação com a arte surgem, assim, como uma maneira de controlar os medos da realidade. Daí o impacto do momento em que ele segura as imagens projetadas com suas mãos: agora ele poderia moldar o que desejasse, criar, de certa forma, um mundo a seu bel prazer para fugir da realidade. Porém, ao longo da narrativa o cinema se revela não só como um mundo a parte, mas como uma transfiguração da própria realidade (vale lembrar que os estudos estéticos dialético-marxistas nos mostram que isso vale para a arte no geral). Ao longo dos atos passeamos pela vida do diretor, e vemos a mudança de tom: antes o que era representado de maneira inocente - durante sua infância - é representado de maneira mais crua durante sua adolescência: e assim a unidade estilística viaja pelos diferentes momentos de sua trajetória de acordo com a percepção do próprio personagem, o que, por sua vez, não afeta a delicadeza de como retrata sua vida e sua família. Os diversos problemas pelos quais passa no âmbito familiar e escolar revelam uma vida muito mais dura que a dos filmes, e enfim fica nítido como estes não se tratam só da realizações de nossos desejos, mas de uma forma de exorcizar nossos demônios. No filme mais fantástico e surreal está presente algum germe da vida concreta. Fora deles você pode não ser o galã perfeito, e nem terminar com a mocinha, mas eles estão ali para lhes dizer alguma coisa. E assim a sétima arte se apresenta para "Sammy" como uma forma de expurgar os males presentes em sua vida. Aí que reside a grande genialidade da obra, pois ela mostra a profunda ligação umbilical entre o cinema e a imaginação e o mundo real de maneira metalinguística: o filme reflete sobre a relação da Imagem com a realidade - a partir da trajetória e da relação de Sammy com o cinema e seus conflitos - ao mesmo tempo em que a narrativa é um exemplo concreto justamente disso: um passeio sobre sua vivência que nos mostra as estradas condutoras ao seu Cinema. O próprio filme é a percepção de Spielberg sobre sua vida, sobre o real: por mais que existam momentos roteirizados, ali está presente uma verdade; a forma como a obra é dirigida é sua própria percepção sobre sua vida. Assim, a imagem toma outras dimensões: em outras palavras, metalinguisticamente o filme realiza aquilo que se propõe a refletir.

Sem prejuízo de individualizar ao máximo a obra de arte, a autobiografia reflete sobre o cinema a partir de si mesma. Partindo da ideia que o filme faz sobre a relação dialética entre a imagem cinematográfica e a realidade, a maneira como Spielberg mostra sua vida é linda: delicada e sutil. Mostra o amor pela sua família, e, apesar disso, seus erros, afinal, reconhece-os como humanos. Para além disso também conseguimos reconhecer as influências que resultaram em seu cinema: o fantástico e o imaginativo, através da sua mãe, e o técnico, através de seu pai. Ele, como sabemos, acaba juntando o melhor dos dois mundos.
Isso que transforma o filme em uma obra prima: sua reflexão dialética cinema/realidade e a forma como o diretor se apropria disso metalinguísticamente para falar sobre sua própria vida. A arte não é uma separação do real, nem apenas uma percepção puramente individual: ela é uma transfiguração da realidade mediada por uma série de fatores. Sammy finalmente conseguiu resolver o conflito que seu Tio Boris postulou: a arte não o separou da família, mas os fez reconhece-los enquanto humanos.
Lindo, sutil e delicado.
Comments